sábado, 26 de janeiro de 2008

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Mas que queremos da vida? É a vida? O que se procura em cada segundo para se perder em cada segundo? O tempo, assim, de nada nos serve. Um dia, dando por nós próprios, perguntamo-nos o que fizemos, por onde andámos, que cidades e casas percorremos, sem que uma resposta nos satisfaça. A vida, então, limita-se a ser o que fez de nós, sem que o tenhamos desejado, e nada pode ser feito para voltar atrás, nem para restituir os passos trocados de direcção, as frases evitadas no último extremo, o olhar que se desviou quando não devia. Ah, sim - e o amor? É isso que queremos da vida? É verdade: cada um dos abraços que se deram, contando cada instante; o rosto lembrado no auge do prazer, quando um súbito sol desponta dos seus lábios; os cabelos presos nas mãos, como se elas prendessem o feixe da eternidade... Assim, a vida poderá ter valido a pena. É o que fica: o que nos foi dado e o que damos, sem que nada nos obrigasse a dar ou a receber, o puro gesto do acaso na mais absoluta das obrigações. Então, volto a perguntar: que outra coisa queremos da vida?

Nuno Júdice
In Cartografia de Emoções


Encontramo-nos por aí...*